O bonde Jorjão e a história do “meliante não identificado”.
Parte 1
Policial salva vitimas de um
assalto ao alvejar meliante com cinco tiros. Nosso “herói” não estava em
serviço, mas como cidadão de bem, cumpriu seu papel social na “na dura luta
cotidiana contra a escalada da violência”.
Essa é a manchete do jornal “diário pinga sangue”, periódico
especializado em “notícias” de violência que circula pelas comunidades da zona Oeste do Rio. Os moradores do grande
conjunto, em Padre Miguel, adoram a leitura rápida e objetiva do tal periódico que pode
ser comprado pela ninharia de um real.
A identidade do jovem
alvejado não foi divulgada, mas, suspeitava-se ser alguém da região do grande
conjunto ou das proximidades, visto que foi ali nos arredores que aconteceu o
fato. O corpo também não foi encontrado o que dificultaria
uma possível tentativa de identificação. Enfim, quase 24 horas do ocorrido,
pouco se sabia da identidade do jovem chamado apenas de “meliante”.
Os comentários eram amplamente favoráveis ao agente publico
que estaria “no local exato e na hora certa”. Dona Maria, dizia empolgada:
- Seria ótimo se tivéssemos mais policias como o Jorge Negão.
Esse sim, honra a farda que veste!
- Nossa comunidade está segura desde que o “bonde do Jorjão’
chegou para nos dar proteção. Marco Banguela também só tinha elogios pra galera do bonde!
- Mais tudo tem um preço, falou timidamente Severino!
- QUALQUER PREÇO EU PAGO PARA ME VER LIVRE DA VIOLÊNCIA!
Dona Aurora, ao contrário de Severino, gritava como uma raiva do tamanho da sua
indignação.
Desde que a milícia conhecida como “bonde do Jorjão” chegou à
comunidade, cada morador tinha que pagar a taxa de segurança de 150 reais por mês.
O gatonet era uma taxa de mais 50 reais paga por fora. NÃO EXISTIA A
POSSIBLIDADE DE NÃO PAGAMENTO, pois todos, sem exceção “desfrutavam do serviço
de segurança que contava com algumas
dezenas de homens encapuzados e sempre de fuzis na mão.
O que se sabia sobre eles é que eram PMS em sua maioria, mas
também havia alguns bombeiros e cinco eram das forças armadas. Não moravam na
comunidade e suas identidades eram fictícias, segundo eles para a segurança deles
e da própria comunidade. Os moradores, rápido se adaptaram ao sistema linha
dura imposto por Jorjão e Cia.
Alguns até reclamavam quando esse rigor os atingia:
- Poxa, era festa de 15 anos da minha filha! Bem que podíamos
ir até 2 ou 3 da manhã! João teve que acabar com a festa no melhor momento, à
meia noite.
- Mas a regra serve para todos né, João! Se deixar um fazer festa até 3 da madrugada, todos vão querer FAZER
a mesma coisa e aí vira bagunça! Dona Maria era sempre a mais empolgada
defensora dos home.
Dona Maria teve 4 filhos, mas dois já tinham partido vitimas
da violência da guerra entre a polícia e as facções. Ela acusava os meninos do movimento
pela morte dos filhos, mesmo sabendo que do lado contrário da guerra insana
estava os home da PM. Luiz Henrique, um dos filhos que restaram sempre lhe dizia:
- Mãe, a senhora está equivocada! Os meninos não têm nada a
ver com a morte do Caio e do Pedro. Foi a policia quem os matou!
- MAS ELES ENTRARAM PRO MOVIMENTO POR CAUSA DO BIMBILIM E DO
FEIOSO. ELES É QUE LEVARAM MEUS FILHOS PRO CRIME. ISSO EU NÃO VOU PERDOAR
NUNCA!
- Mãe, eles eram novinhos, mas fizeram uma escolha. Ninguém
os obrigou a nada.
- Mas a dívida que eles tinham era impagável.
- Eles poderiam fugir da comunidade e ir morar com a vovó em
Juiz de Fora.
- Acho que se eles fizessem isso a gente ia pagar o pato.
- Ou não né mãe! Era a alternativa que tinham. E a gente também poderia ter saído daqui.
- Eu não abandono minha casinha jamais! Depois de tantos anos
de sacrifício!
- Mãe, a gente paga pelas nossas escolhas!
Luiz Henrique está com apenas 20 anos, mas tem uma visão de
mundo bem superior à da mãe que já passou dos 40. Ele não compartilha do entusiasmo
da mãe em relação ao “bonde do Jorjão” e isso lhe tem causado alguns
transtornos.
Fim da primeira parte